|Sala de maravilhas|

Algum tempo atrás, pensando sobre maneiras de se guardar a memória individual nessa luta sutil contra o próprio desaparecimento, em como deixar traços que possam ser experienciados por outros, cheguei às salas de maravilhas do Renascimento. Estas coleções eram inventários particulares da vastidão e do sublime do mundo reunidos em uma sala. Um lugar devocional, com nenhuma categorização aparente. Proto-museus individuais ou teatros do mundo, esses recintos eram como diários tridimensionais do que produzia maravilha em uma pessoa.

O que quer que orientasse os primeiros donos dessas wunderkammer, algo em comum os agrupava: o desejo de aproveitar da sua posição para realizar um mapeamento mágico do mundo. Talvez fosse um modo de se apropriar desse universo em transformação, onde os traços da história maior começavam a ganhar uma visibilidade inédita na vida de cada um.

Nos dias atuais, onde os museus tomaram a função de guardiães da história comum dos homens, onde as categorizações ganharam a força dos incontornáveis, o desejo de realizar o nosso próprio inventário do mundo, a nossa própria coleção de maravilhas, no entanto, não nos abandonou. Visível na incomensurável quantidade de blogs e na proliferação de redes de relacionamento virtual, mais do que nunca a força dos inventários continua a levar indivíduos a dedicar uma boa parte do seu tempo a coletar, a reunir, para depois compartilhar com os demais. Ao mesmo tempo o ato de colecionar parece uma busca por testemunhas do seu presente e por lançar-se, ainda que de maneira trôpega, incerta, no desafio de que, ao se criar um outro passado visível, um outro futuro seja possível. Uma história sem a obrigação de sentido, de verdade. Pontos de desvio, pontos de inauguração de sentidos, portas para outros universos.

Concebida como uma exposição, Sala de Maravilhas, reúne um conjunto de artistas, entre os que trabalham comigo há anos e os que me são companheiros de cena, de história, todos envolvidos na construção de um lugar, de um inventário, de um presente passado futuro em uma sala de maravilhas.

Sala de Maravilhas se lança assim à aventura de expor uma coleção performativa de um grupo de artistas e sua ativação em tempo real no espaço compartilhado com os visitantes de uma galeria. Uma coleção  de suas trajetórias artísticas, dos seus dias, de sua inserção em uma história da arte da cena, dos seus imaginários e dos de uma época. Uma coleção de homens e mulheres, de mundanos, de brincantes, de sincretistas, de tropicálias revividas. Uma coleção de sublimes.

O projeto integrou o programa International Creator in Residence da Tokyo Wonder Site, no Japão. A room of Wonder | Tokyo contou com 9 artistas locais. (Set.-Nov. 2012). O projeto posteriormente foi contemplado pelo FADA 2012 (Fundo de Apoio à Dança da Cidade do Rio de Janeiro), sendo realizado com artistas convidados locais. Sua estreia foi em maio no Largo das Artes, na Cidade do Rio de Janeiro. No Japão, o projeto, A room of wonder  | Tokyo, foi apresentado no Tokyo International Festival, em novembro de 2013.

 

Video links:

The same way I stop to hear to my heart beat (1), by António Pedro Lopes

The same way I stop to hear my heart beat (2), by António Pedro Lopes

Eu me visto de alegria, by Dyonne Boy

Porta-voz, by Marcela Levi.

VENTO, by Lucía Russo.

Mirão, by Gustavo Ciríaco.

O Aqui, o Agora e o Antes, by Ignacio Aldunate.

Lapso, by Milena Codeço.

 

.COLEÇÃO. 

 

a. VENTO

Lucía Russo, 2013

Escultura móvel

Colaboração: Marcela Levi

Assessoramento: Bruno Jacomino.

 

Bio

Lucía Russo (Patagônia,1975). Performer, coreógrafa e gestora cultural.

Inquieta e errante, se move entre a criação artística, os processos de transmissão e intercâmbio e a gestão cultural. É desafiada por projetos que envolvem diversas formas de ação colaborativa e, portanto, provocam encontros, dissonâncias, desvios e choques. Nos seus trabalhos árida o estepa (2005), DUO (2006), Sensorama (2007) El borde silencioso de las cosas (2009), Fantasmagoría (colaboração com Javier Bustos, 2010) e Natureza Monstruosa (codirigido junto a Marcela Levi, 2011), insiste em questões vinculadas à animação: ilusão e movimento. Vento é parte dessa série de inquietações.

Em 2010 funda junto a Marcela Levi a Improvável Produções no Rio de Janeiro. Forma parte de coletivos artísticos (Casa Dorrego e c.a.s.a. em Buenos Aires), da Rede Sul Americana de Dança, e leva adiante projetos de intercâmbio e formação de público na América Latina (Diálogos, Retratos de una constelación, MANIFESTA!, Futuros Espectadores, entre outros). Colabora com os artistas: Manuel Vasón, Diego Gil, Lucas Condró, Natalia Tencer, Carolina Herman, Gustavo Ciríaco, IQLAB artes eletrônicas, Hiroaki Umeda, Cía. Lupita Pulpo, Silvio Lang, entre outros.

Links para a artista: (1) e (2)

 

b. PORTA-VOZ

Marcela Levi, 2013

Escultura sonora

colaboração: Bruno Jacomino e Lucía Russo

sonorização: Luciano Siqueira

 

é um estudo, um experimento motivado pelo encontro de duas palavras: função e ficção

é um estudo, um experimento motivado pela pergunta: Como é que se vê a porra do mundo diferente?

é um estudo, um experimento que propõe a troca de um mundo soldado por um flutuante

 

EXIBIÇÃO

Marcela Levi, 2013

Performance eventual

colaboração: Lucía Russo

performers: Dyonne Boy, Isabel Martins e Marta Vieira

é um jogo, uma (des)aparição.

 

Bio

Marcela Levi (1973, Rio de Janeiro) é coreógrafa e performer. Nos últimos quinze anos, vem desenvolvendo projetos que dissolvem as fronteiras entre a dança contemporânea e as artes visuais, construindo uma linguagem que perturba a hierarquia entre corpo e objeto: o corpo se torna um objeto e objetos se tornam corpo. Através de seu trabalho, Levi cria uma zona de ambigüidades e deslocamentos. Imagem, Massa de Sentidos, In-organic, Em redor do buraco tudo é beira e Natureza Monstruosa, seu último trabalho, têm sido apresentados em vários festivais e centros de arte no Brasil, Europa e América Latina. Levi colabora com os artistas Lucía Russo (AR), Vera Mantero (PT), Guillermo Gómez-Peña (US/MX), Lia Rodrigues, Laura Erber e Gustavo Ciríaco, entre outros.

 Link para a artista, clique aqui.

 

c. Isso de se dizer exatamente o que se quer, ainda vai nos levar além

Lucas Bueno, 2013

Flash happenings

 

No meio de maravilhas, uma delas surge pelo aflorar dos desejos…

O permitir-se abre os poros, abre os olhos, abre a boca pra falar

Atenção com o que se deseja!

Não chega a país, mas é sala

(das maravilhas)

Não cabe tudo, nem um sonho inteiro

mas cabe algo

Seja rápido, seja sucinto

mas queira muito

 

Bio

Artista em formação na área da dramaturgia da imagem e do corpo, com passagens pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage e graduando na Escola de Comunicação/Audiovisual da UFRJ.

 

d. do mesmo modo que quando paro para sentir o coração bater

António Pedro Lopes, 2013

Performance/Instalação

Duração 5- 7 minutos (variável) Repete a cada 30 minutos.

Músicas: Roberto Carlos, Jorge Mautner, Elvis Presley

 

Entrei no seu gabinete, e ele me pediu para cantar uma canção que ele soubesse tocar  ao piano. Cantei-lhe: Yesterday, All my Troubles seemed so far way, now it looks as though they’re here to stay, Oh I believe in yesterday. Cantei e só a minha garganta vibrou. Passei uma hora com ele a trabalhar a voz. Ao fim desse tempo, ele se sentou ao piano e me pediu para cantar de novo os meus troubles, e aí, a minha voz vibrou pelas paredes, pelo espaço, o som tornou-se um “fora de mim” com espectro próprio. Emocionei-me. Fiquei perturbado como quem está frente a uma coisa-sensação que não sabe exatamente descrever ou nomear. Atualizo esse momento, convidando o visitante a entrar neste anel de cortinas e a se sentar na cadeira da frente. Na cadeira de trás, está sentado um performer que lhe canta uma canção. Durante a canção o som se alastra, se expande e, depois, se concentra no visitante através de um coro, e de um conjunto de vozes que se multiplicam. A maravilha estará aí nesse pequeno lugar inominável onde uma música se passa porque se canta, se vibra, e se pára para escutar, para deixar bater e ser afetado.

 

Bio

António Pedro Lopes  é um performer, autor de espectáculos e cantor português que atua entre a Europa e o Rio de Janeiro. Assinou colaborações com Gui Garrido, Tommy Noonan, Monica Gillette, Marianne Baillot. Trabalhou em espetáculos de Jérôme Bel, João Fiadeiro, Marco Berrettini/*MELK PROD entre muitos outros. Colabora com Gustavo Ciríaco desde 2010 no projeto contextual Drifting/Em Deriva apresentado no Rio, Taipei, S.Paulo, Lisboa, Porto, e brevemente, Ponta Delgada. Os seus últimos trabalhos intitulam-se Julho, Entrevista com um Ursinho (Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012) e Melhor Sentado que de Pé Melhor Deitado que Sentado (Citemor, 2012). theantsandtherats.blogspot.com

 

e. Aqui, o agora e o antes

Ignacio Aldunate, 2013

7min, peça de áudio.

 

Aqui, o agora e o antes é uma projeção, é a ponte entre a parte da história que está fora e a que está dentro de nós.  É a história que se constrói na nossa cabeça a cada passo de alguém que a relata. Nesse trânsito adquire forma, volume, cores. O aqui e o lá, o agora e o antes. O visual está apenas dentro de nós.

 

Bio

Ignacio Aldunate, Mestre em Artes Cênicas pela Unirio, ator, performer, diretor e professor de teatro. No Brasil tem colaborado em espetáculos de Eduardo Woitzic, Eduardo Vaccari, Esther Weitzman, Alex Cassal, Felipe Rocha e Gustavo Ciríaco. No Chile, participou como ator em diversas peças de teatro, com diretores como Jaime Vadell, Willy Semler, Verônica Garcia Huidobro, Fernando Menezes e com a coreógrafa Elizabeth Rodriguez. Ao longo de sua carreira tem se apresentado em festivais e teatros em Santiago do Chile, Colômbia, Espanha, Argentina, Portugal, Cuba, Alemanha e em diversas cidades do Brasil. Dirigiu a peça “Más que nada” (2001), de Andrés Kalawski (indicada aos prêmios APES-Chile). Co-dirigiu o curta-metragem “Segunda no parque” (2008), vencedor do 2º lugar do festival Rio Criativo e selecionado para a mostra oficial do Los Angeles Brazillian film festival 2010. Desde 2006, trabalha com Gustavo Ciríaco como intérprete e co-criador dos espetáculos “Still, sob o estado das coisas”, “Nada, vamos ver” (2009) e “Eles vão Ver” (2010). Regularmente faz participações em longa-metragens, curta-metragens e televisão.

 

f. Lapso

Milena Codeço, 2013.

Performance eventual

 

Conheci certa vez um lugar especial. Reuniam-se ali algumas pessoas, cada qual em busca de suas próprias experiências. Uma vibração, no entanto, tornava todos iguais. E a partir de então era impossível contar o tempo, ele ficava parado, mas só ali naquela sala. Pelas janelas éramos invadidos pelo ruído do mundo lá fora.

 

Bio

Bailarina e professora licenciada pela Faculdade Angel Vianna. Sua pesquisa enfoca a percepção e os estados de presença no trabalho criativo do intérprete de dança. Atua como intérprete, assistente, criadora e preparadora corporal, colaborando com artistas como João Paulo Gross, Flávia Meireles e Gustavo Ciríaco, companhias como Esther Weitzman Cia. de Dança, Grupo Toca Madera e Cia. Dani Lima.

 

g. Eu me visto de alegria

Dyonne Boy, 2013

 

Um cristal de alegria, um interesse,  a maravilha afinal: A FESTA!  Lugar de encontros-conexões-levezas.  Danças. Celebração dos ciclos da vida, terreno do ócio. Festa-maravilha como espaço e pacto de produção de força vital. Lugar marcado de uso livre. Campo do inesperado.  Um lugar criado  para o encontro que fortalece as conexões de afeto.

É a verdadeira seguridade social brasileira!

Festejar inicia familias,… com quantas  festas se contrói uma rede?

Começa numa sala escura. E depois fica mais e mais claro.

Desapego.

Vai dar certo.

 

Bio

Dyonne Boy (1973) é artista desde 1989. Formada em Comunicação Social pela PUC-Rio, em 2000 fundou a ONG Jongo da Serrinha em que é coordenadora executiva. Fez mestrado em Bens Culturais e projetos sociais na FGV-RJ e Dança Contemporânea na Escola Angel Vianna. Dança com Gustavo Ciríaco há quatro anos.

 

h. Um dia de Apolo

Gustavo Ciríaco, 2013.

Flerte duracional

 

Um dia, em uma férias em Arraial do Cabo, tinha os cabelos longos. Era verão. Estavam lá os amigos. Comprei uma camisa azul com asas de morcego. Vinha de Bali. Ali naquele dia vivi um tempo particular. Tudo parecia orbitar em torno. Amor, amizade e desejo. Para onde eu olhasse, o meu olhar era acolhido.  Era simples. Era suave. Era como um dia de Apolo.

 

Mirão

Gustavo Ciríaco, 2013.

Mirante

Concepção : Gustavo Ciríaco

Colaboração e Design :  Pedro Rivera

Óceu. Ómundo. Ólimiar. Aevasão. Aê. Noaqui.

Um mirante para se ver deitado. Uma janela para outra janela. Um frame para o tempo que escorre no azul. Mirão é o sublime do céu para um homem só, o céu de todos os dias, o céu dos Apocalipsis, o céu dos que voam, ou o além, o além, o além.

 

Bio

(Rio de Janeiro, 1969). Coréografo, performer e artista contextual trabalha internacionalmente na América Latina, Europa, Ásia e Oriente Médio em projetos transversais  e colaborações envolvendo arquitetura, artes visuais e do espetáculo. Mais do que  definir um campo de atuação, seus projetos se orientam pelo contexto onde acontecem e a poesia das materialidades envolvidas em cada situação. Interessa-lhe a construção deste presente e de sua ficção, a experiência sensível do aqui no agora. O seu trabalho tem  sido acolhido em festivais, galerias, museus e instituições, dentre elas, Casa Encendida, Museo Reina Sofia (Madri), Museu Serralves (Porto), Culturgest, Alkantara  e ZDB (Lisboa), Galeria Michel Journiac (Paris), Tanz im August (Berlim), Al Mamal Foundation (Jerusalem), Tokyo Wonder Site (Tokyo), Digital Art Center (Taipei), Cenart (Cidade do México), Panorama da Dança, Oi Futuro  (Rio); SESC-SP, Itaú Cultural (São Paulo),  Laban Centre, Chelsea Theatre, London Festival (Londres), entre outros.

gustavociria.co

gustavociriaco.blogspot.com

 

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Largo das Artes, Rio de Janeiro

Abertura da exposição: 16 Maio 2013, Rio de Janeiro.
Exposição Terça- Sábado 12h-18h Até 1 de Junho 2013

Conceito|  Direção artística : Gustavo Ciríaco

Artistas convidados:
António Pedro Lopes (autor de espetáculos, performer e cantor)
Dyonne Boy (bailarina, performer e administradora cultural)
Gustavo Ciríaco (coreógrafo, performer e artista)
Ignacio Aldunate (ator e bailarino)
Lucía Russo (bailarina, coreógrafa e gerente cultural)
Lucas Bueno (ator e performer)
Marcela Levi (coreógrafa e bailarina)
Milena Codeço (bailarina)

Collaboradores : Marta Bernardes (poeta), Pedro Rivera (arquiteto)

Performers convidados : Isabel Martins e Leo Nabuco

Cenografia & expografia : Pedro Rivera

Figurinos: Paula Stroher

Desenho de luz: Tabatta Martins

Montagem de luz : T2 produção técnica (Tábatta Martins e Thierry Brito)

Fotografia: Paula Kossatz

Design gráfico : Tatiana Altberg & Tatiana Podlubny

Divulgação : LEAD Comunicações

Montagem da exposição: Eric Dini Nielsen

Engenheiro de som: Luciano Siqueira

Produção executiva e Administração: Marta Vieira and Projéteis

Assistência de produção: Chayanna Ferreira

Apoio: Largo das Artes | Casa da Glória | T2 Produção Técnica

Realização: Projéteis – Cooperativa Carioca de empreendedores culturais

Patrocínio:
FADA – Fundo Municipal para a Dança Prefeitura do Rio de Janeiro | Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro

Paula Kossatz and Gustavo Ciríaco